terça-feira, 2 de junho de 2015

O QUE A NEUROCIÊNCIA DESCOBRIU SOBRE O PODER DA ORAÇÃO.

O que a neurociência descobriu sobre o poder da oração





O ritual da oração é adquirido, em muitos casos, ainda na infância. Seja por conta de uma crença espiritual específica ou por força do hábito familiar, muitas crianças oram pela primeira vez ajoelhadas ao lado da cama, conversando com “seu deus”. A pauta da conversa pode variar muito, mas, geralmente, inclui um pedido ou um agradecimento.
Muitos povos antigos, que datam de milhares de anos atrás, possuíam o hábito de orar como tradição. Indígenas, hindus, egípcios, celtas, iorubás… Em muitos lugares do mundo, a prática de pedir para ser atendido não é bem uma novidade. Como se define, no entanto, algo que é feito de tantas maneiras diferentes e possui o mesmo nome para todos que o adotam?

“Orar é uma forma de se comunicar com o divino, onde o indivíduo entra num estado de reflexão e eleva seu pensamento até Deus”, explica Gilmar Camará, sacerdote do candomblé há treze anos. Na religião praticada por ele, de matriz africana, orar se diz “gbadura” e “deus” é conhecido como “Olorun”. Mas os nomes não importam tanto quanto a fé, através da qual, segundo Gilmar, cada um pode obter o que mais deseja. “O Gbadura funciona como um elo entre o Òrún (céu) e Ayiè (Terra), é uma maneira de nos conectarmos com o cosmo para alcançarmos nossos objetivos”, ele afirma. “Orar é meditar em relação ao que cada um deseja em sua vida”.
Muitas pessoas que possuem o hábito de orar costumam descrever a prática como um momento de forte conexão com algo maior e mais poderoso, o estabelecimento de um vínculo entre o terreno e uma força que protege e concebe. Essa ideia não está ligada a apenas uma religião ou espiritualmente engajada com uma crença específica. Como explica Uiara Raiana, que ora todos os dias porque considera essa uma conversa com quem está em um plano mais elevado, o que importa é a sensação de bem-estar proporcionada pelo ritual.
Orando com a alma, sinto que fico mais em paz e em equilíbrio comigo mesma, e assim sou melhor para o meu próximo.
Além disso, ela vê a oração como um processo de autoconhecimento, um olhar para si mesma. “À medida em que agradecemos pelo dom da vida e pedimos força pra suportar as intempéries, sinto que me aproximo mais da noção de que meu papel nesse plano é amar o próximo, seja através da minha profissão ou dos meus atos”, conta Uiara. “Orar, na minha opinião, nos faz desligar das preocupações do mundo, nos faz sentir acolhidos e parte de algo maior que a nossa própria vaidade. Orando com a alma, sinto que fico mais em paz e em equilíbrio comigo mesma, e assim sou melhor para o meu próximo”.

A forma de orar varia, mas não os seus efeitos
O que é melhor para mediar nossa conversa com aquilo que há de maior e mais forte? Um terço é mais poderoso que um japamala? Mantras são mais eficientes que o Pai-Nosso? Orar na direção de Meca ou na direção de cristais?
“Muitos tipos diferentes de práticas religiosas e espirituais parecem ter um benefício na saúde humana e bem-estar”, afirma o professor e pesquisador Dr. Andrew Newberg. “Neste ponto, a ciência não mostra que tipo de prática ou tradição é mais eficaz”.
Newberg estuda os efeitos da oração constante no cérebro humano. A partir de observações científicas e pesquisas de grupo, ele tem chamado a atenção para uma série de impactos do hábito de orar no comportamento, na saúde e na qualidade de vida de seus adeptos. E, como ele conta, o desempenho de práticas específicas como orar e meditar já demonstraram cientificamente capacidade de ajudar a reduzir sintomas de estresse, ansiedade e depressão, sem a menor ligação com a religião que a adota. “Ao que parece, estas práticas afetam de forma benéfica áreas cerebrais como os lobos frontais, que são responsáveis por regular as emoções, e o sistema límbico, que ajuda a gerar essas emoções”, revela Newberg.

Em seu mais recente estudo, o autor do livro How Enlightenment Changes Your Brain (“como a iluminação muda o seu cérebro”, em tradução livre) observou uma redução significativa da atividade cerebral em 250 pessoas que oravam todos os dias e relatavam encontrar sensação de alívio e bem-estar na prática. Por meio de escaneamentos cerebrais, ele e sua equipe analisaram o comportamento e a perspectiva de vida de praticantes de variadas tradições religiosas, como budistas, freiras franciscanas, cristãos pentecostais, médiuns brasileiros e até adeptos do sufismo.
A diminuição da atividade no lobo parietal, que acontece durante a oração, sugere uma perda do sentido do eu.
“Recentemente, também, concluímos uma análise de dados de quase 2000 pessoas sobre suas experiências espirituais mais intensas”, Newberg conta. Isso foi o que, segundo ele, revelou informações importantes sobre a natureza subjetiva dessas experiências e forneceu material com o qual ele pudesse combinar os dados obtidos nos escaneamentos.
“Muitas pessoas descreveram sentimentos de conexão intensa ou unicidade com o universo, algo que acreditamos estar associado à diminuição da atividade no lobo parietal”, o pesquisador explica. “O lobo parietal está localizado na parte de trás do cérebro e ajuda a estabelecer o sentido espacial de nós mesmos. A diminuição da atividade nesta região, algo que acontece durante a oração, sugere uma perda do sentido do eu e uma perda do sentido do espaço e do tempo”.

Um caminho no meio
De acordo com Newberg, é a perda de sentido que poderia ser justamente a causa da profunda sensação de bem-estar. Afinal, ao nos desligarmos do mundo físico, perdendo a noção controladora do tempo e do espaço, podemos descansar a mente e o corpo.
“A oração faz com que você mergulhe em seu interior, possibilita que você medite e busque a solução para os seus diversos problemas”, diz o sacerdote Gilmar, que sugere fortemente a prática por ela ter a capacidade, segundo ele, de nos fazer refletir sobre todo o cosmo. “A fé é infinita e consegue perpassar qualquer barreira quando nós acreditamos que conseguiremos realizar o que queremos”.
Para Newberg, a ciência está cada vez mais engajada com a espiritualidade. A neuroteologia, como ele conta, que também é conhecida como neurociência espiritual, estuda os impactos dos processos cognitivos oriundos de fenômenos subjetivos no cérebro, tais como as sensações descritas por pessoas que passam por experiências religiosas ou espirituais. Quando essas experiências são analisadas sob a perspectiva neurológica, ou seja, a partir dos dados fornecidos pelas atividades cerebrais, surge para observação um caminho que combina corpo e espírito.
“Sou convidado a dar muitas palestras a grupos de cientistas, ateus e religiosos. Parece haver algo para cada um”, ele diz. “No meu trabalho, explorei várias aplicações fisiológicas e filosóficas desta pesquisa. Minha esperança é que algum dia a neuroteologia ajude a fornecer respostas a algumas das mais famosas questões sobre a natureza do universo e a natureza da humanidade”.

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